Bernardo de Claraval nasceu numa família nobre da França, em 1090 e morreu em 1153. Foi monge, e abade durante 38 anos. Fundou 163 mosteiros. Viveu intensamente, num período muito conturbado na história da Igreja, e foi, inclusive, conselheiro de reis e de papas. Mas apesar disso, nunca se descuidou da vida espiritual. Foi declarado santo em 1174: São Bernardo de Claraval.
Piero Bernardo Pignatelli também nasceu numa família nobre da Itália. Também foi monge, e, depois, papa entre 1142 e 1153, com o nome de Eugênio III. Governou a Igreja num período muito difícil, dedicou-se a muitas construções. Foi declarado beato em 1872.
Como vêem, a biografia dos dois se cruza em cima de muitas coincidências. Eles nasceram de famílias nobres, tiveram o mesmo nome de batismo, foram monges da mesma ordem religiosa, viveram vidas marcadas pela intensidade dos acontecimentos e na mesma época difícil, tornaram-se líderes, construtores e organizadores admiráveis. Morreram no mesmo ano e foram elevados à glória dos altares.
No entanto, não foram essas coincidências que marcaram as vidas de ambos. Num determinado ponto, num cruzamento da estrada que ambos percorriam, eles se encontraram. E surgiu aquilo que hoje quero lhes contar. Pelo jeito, ao que tudo indica, o papa Eugênio III andava muito preocupado e agitado com todos os afazeres do cargo. E o cuidado da Igreja lhe tomava todo o tempo e a alma inteira. Ele havia se afastado de si mesmo e de sua vida interior. Foi então que São Bernardo lhe escreveu um livro, pequeno e denso, escrito inteira e pessoalmente para o papa. Nesse livro, o santo observa que é preciso a todo custo evitar a correria da vida. E imaginem que ele vivia no século 12! Se vivesse hoje, nem sei o que pensaria de nós e de nossa época. São Bernardo escreve ao papa que as muitas ocupações levam à “dureza do coração”. E que elas “nada mais são do que sofrimento do espírito, enfraquecimento da inteligência, dispersão da graça. … Eis onde te podem arrastar todas as malditas ocupações, se continuas a perder-te nelas… nada deixando de ti para ti mesmo”. Na vida cristã, já dizia outro santo, São Bento: “Nada se deve preferir ao amor de Cristo”. A oração e a contemplação de Deus devem sempre ocupar o primeiro lugar. “Uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada” (Lc 10, 42). É isso que dá sentido a tudo o que vier depois. Sem isso, tudo não passa de agitação frenética e nada mais.
Sabem por que lhes escrevo essas coisas? Porque estão chegando as férias. No meu seminário, se dizia que “férias são feras!”, numa alusão ao perigo que elas poderiam representar, no descaso à vida espiritual. Mas, ao contrário do que se diz, a ocasião não faz o ladrão. A ocasião apenas revela o ladrão. Quem não é ladrão, não o será em ocasião alguma. As férias não produzem o descaso do espírito. As férias apenas podem revelar intenções secretas de descaso, que brotam quando as ocasiões e oportunidades aparecem.
Bem diferente, é o que as férias representam para todos aqueles que trabalham, estudam, se cansam no esforço de “ganhar a vida”. As férias são o tempo especial para ficar junto daqueles que amamos e que nos amam: nossa família, filhos, esposos, amigos. As férias não são o momento de esquecer tudo. O que elas pretendem ser é, justamente, o contrário: o momento de repensar tudo, mas de outro ângulo, com um olhar mais humano, mais sadio, mais espiritualizado. Nenhuma máquina funciona sem descanso. Ninguém sobrevive como pessoa se não tiver tempo para ser pessoa, e não apenas uma peça de uma engrenagem maior que tudo alimenta, mas que a tudo consome.
As férias são tempo da graça. Porém, os valores, que mantemos o ano todo, não tiram férias. E são eles que irão garantir que nossas férias nos trarão as alegrias de serem recordadas pelo ano inteiro, para serem, novamente, esperadas quando o cansaço bater. Os valores humanos e cristãos devem ser os guias que nos levam ao merecido descanso. Férias são tempos de alegria, de reencontro, de saúde, de renovar as forças para retornar melhor ao dia-a-dia.
Imaginemos que, lá do século 12, São Bernardo e o papa Eugênio nos perguntam como estamos. Como responderemos? Ora, só há uma resposta.w Aqui, no século 21, ainda vivemos por Ele, todos os dias. Também nas férias.
+ Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Metropolitano de Niterói
Arcebispo Metropolitano de Niterói
Fonte; SECOM
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