segunda-feira, 1 de abril de 2013

1 de abril de 2013 “Entre vocês não será assim!”


Queridos amigos, queridos irmãos: com o coração exultante pela nomeação do Papa Francisco, quero buscar algumas ideias em três modelos pedagógicos para tentar entender, com vocês, o momento que passamos na barca da Igreja. Os três modelos são chamados de modelo diretivo, não-diretivo e relacional. Hoje, falarei dos dois primeiros. Assim como na pedagogia, também na vida da Igreja cada modelo se fundamenta e é sustentado por um determinado pensamento. E, muitas vezes, é desse pensamento que decorre todas as veredas e os descaminhos.
Até os anos 60, a Igreja viveu uma espécie de modelo diretivo. O que é isso? Melhor será perguntar como acontece esse modelo numa sala de aula? Funciona assim: o professor fala e o aluno escuta; o professor ensina e o aluno aprende. Uma sala de aula dos anos 50 era quase o mesmo de uma sala de aula, dois séculos atrás. A Igreja nos anos 50 era muito parecida com a Igreja de séculos passados, sobretudo, depois que o Concílio de Trento (1545-1563) definiu como seriam as coisas daí em diante.
Bem, o professor agia daquela forma porque acreditava que o conhecimento podia ser transferido para o aluno. No seu imaginário, somente ele podia produzir algum conhecimento novo no aluno. Nesse modelo de ensino, o professor jamais aprendia e o aluno jamais ensinava. Tudo era fixo, fixado e repetitivo. Ali, o novo não tinha lugar.  Também a Igreja agia da mesma forma porque acreditava nos mesmos pressupostos. Para a Igreja de antes do Concílio Vaticano II (1962-1965) os fieis precisavam ser preenchidos em seu vazio existencial, e isso só poderiam ser feito por um clero coeso ao redor de uma doutrina firme, fundada na administração dos sacramentos e na prática devocional. Como disse, esse modelo tinha a virtude de manter a coesão. Mas apresentava sérias lacunas e imprecisões: nele, poderia despontar coações e autoritarismos desafinados com o Evangelho de Cristo. Quando velhas perguntas são respondidas com velhas respostas e a certeza do futuro se ancora na reprodução pura e simples do passado, o presente se empobrece. 
Então, vieram todas as mudanças dos anos 60 e o mundo, como se diz, virou de ponta-cabeça. E, se o mundo havia mudado, a Igreja precisava acompanhá-lo nessa travessia. O pastor deve estar onde as ovelhas estão. O Beato Papa João XXIII convocou o Concílio Vaticano II para que, como ele mesmo dizia, ares novos ventilassem nas janelas da Igreja. A ordem do dia era o “aggiornamento”, palavra italiana que significa atualização. Em plena época de guerra fria entre as potências do mundo, com o risco iminente da bomba atômica, o que mais se precisava era de esperança. E foi exatamente isso que a Igreja ofereceu ao mundo: esperança. Todos os olhos se voltaram para a porta aberta da Igreja, por onde todos os homens, agora, sabiam que podiam passar para encontrar acolhida.  É claro que o mundo não é a maravilha que todos sonham as pessoas nem sempre são o que aparentam e a Igreja, enquanto comunidade de fieis, que pretendem caminhar, é tão humana quanto os humanos que ela contem. Apareceram rachaduras no edifício da Igreja. O contraponto do modelo diretivo anterior foi um modelo não-diretivo onde e quando as pessoas foram deixadas por conta própria para fazerem o que bem achassem como certo. Qualquer ação de qualquer pessoa, desde que tomada em acordo com seus princípios interiores, já era boa de nascença. O problema é que surgiram perigos ainda maiores que os do modelo anterior.  A partir dos anos 70, os líderes de comunidade passaram a evitar qualquer forma de intervenção. Tudo o que se rezava, cantava ou fazia era bom. Os líderes não-diretivos inventaram formas subliminares de exercer o poder. A diferença – e aqui reside o perigo – é que, agora, eles eram a medida de todas as coisas. Certo, era o que eles achavam certo, errado, o que eles consideravam assim. Foi uma época de tremendas mudanças. Nas mudanças de rumo, não raro, perde-se a direção.  O que aconteceu? Ora, o que sabemos! A autoridade foi sucateada. Onde todos têm o poder, ninguém exerce autoridade. Onde ninguém tem autoridade, até lavar os pés uns dos outros fica comprometido. Só a autoridade pode abaixar-se. O poder nunca se abaixa.
A situação agravou-se de forma alarmante no virar dos anos 90. Foi quando o Beato Papa João Paulo II reassumiu, lenta e progressivamente, o controle de um barco agitado. Sua passagem pela Igreja foi inédita. O Papa do Milênio, doente, envelhecido, nas últimas formas que adquire e se recobre a fragilidade e a vontade humana quando verga, mas não se quebra, deixou um caminho aberto para ser trilhado. Quem faria isso?  Coube ao Papa Bento XVI tomar sobre si o alforje e o cajado do pastor. Mas o alforje era muito pesado e o cajado de difícil manejo. Entregues a si mesmas, as ovelhas já não queriam direção. Muitos ofereciam modelos mais confortáveis. Mas, pensem bem, quem quer conforto não toma a Cruz do Mestre. Seguir o Mestre Jesus, pisar onde ele pisou, requer vontade firme, desejo inabalável de conhecer a vontade do Pai e realizá-la e encontrar nela nada mais nada menos do que a paz.  Dizem que as mães sempre sabem e querem o melhor para os filhos, mas o melhor é sempre uma questão de referência. Quando a mãe dos filhos de Zebedeu se aproximou de Jesus para pedir por seus filhos, ela não sabia decerto o que falava. Pediu honra, glória e poder. Jesus ofereceu-lhes o “cálice” que ele deveria beber e eles, inconscientes, aceitaram dispostos. Nós fazemos nossas escolhas, e nossas escolhas nos fazem. Então, imagino que Jesus se levantou, olhou-os de baixo para cima com olhar terno, e lhes disse: Vocês sabem que os poderosos gostam do poder. Entre vocês não deverá ser assim. Entre vocês, o maior será o servidor de todos (Mt 20,26).  No dia 13 de março passado, ficamos todos com o coração incontido de felicidade ao ver que a Barca da Igreja já tem seu novo timoneiro. Fomos surpreendidos com a escolha do Papa Francisco, que em suas primeiras palavras e gestos conquistou nossos corações revelando-se um verdadeiro servidor de todos. A Arquidiocese de Niterói deseja ao recém-eleito Papa Francisco, meu honroso xará, pastor e guia de nossa Igreja, tudo o que filhos desejam a seus pais no Dia dos Pais. Somos filhos fieis. Prometemos nossas orações diárias e queremos que Vossa Santidade saiba que tem em cada um, um filho, um irmão, um ombro e dois joelhos dobrados. Seja feliz, Santo Padre! Ad multos annos!
+ Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Metropolitano de Niterói

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