Conforme publicado pelo portal de notícias G1, os cardeais brasileiros concederam na manhã desta quinta-feira, 14 de março, em Roma, uma entrevista coletiva em que avaliaram a escolha do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, como sucessor de Bento XVI. Dos cinco cardeais brasileiros que participaram da eleição do pontífice, três participaram da entrevista: o presidente da CNBB e arcebispo de Aparecida (SP), dom Raymundo Damasceno Assis; o arcebispo emérito de Salvador (BA), dom Geraldo Majella; e o arcebispo de São Paulo (SP), dom Odilo Pedro Scherer.
A coletiva foi realizada no Colégio Pio Brasileiro. "As cotações prévias foram todas para o espaço", afirmou dom Odilo, dizendo que, segundo a crença, há outros elementos envolvidos na escolha de um novo Papa. "Há de se aprender que a Igreja não é só feita de cálculos humanos. De fato, o Espírito Santo orienta a Igreja."
Questionado sobre a possível pressão sentida por ter sido considerado um dos favoritos para ser o novo Papa, dom Odilo disse ter enfrentado tudo com muita tranquilidade. "Tenho os pés muito no chão, sabendo que havia muitas outras pessoas com muitas possibilidades."
Ele afirmou não ter pensado que poderia vencer. "Depois de ter rezado, se colocado diante da possibilidade de ser eleito, ficaria difícil dizer não. Mas nunca pensei que viesse a acontecer", disse. "Ser Papa não é uma honra simplesmente, não é um poder. É um serviço muito grande. Quem é eleito Papa sente esse peso."
Após a eleição e dos ritos formais feitos, todos os cardeais saudaram pessoalmente o Papa. "O saudei, lhe dei os parabéns, pedi que Deus o abençoasse. Lembrei da Jornada Mundial da Juventude, que ele irá ao Brasil em julho. Depende dele confirmar, com certeza o fará", disse dom Odilo.
O arcebispo de São Paulo revelou que visitou o túmulo de São Francisco de Assis, no domingo anterior ao conclave. Chegando lá, ele encontrou o cardeal arcebispo de Viena, Christoph Schönborn. "Mas um dominicano num lugar tão franciscano!", comentou o brasileiro na ocasião. O colega disse que seria bom que a Igreja tivesse um Papa com espírito franciscano. "É um sinal para o que a Igreja quer e precisa fazer", afirmou Odilo na entrevista coletiva. "Não se fazem saltos mortais na Igreja, mas existe uma continuidade."
Também dom Geraldo revelou que foi a Assis no período pré-conclave. "Rezei naquela hora para que o Papa pudesse realmente ser o que fizesse as vezes de São Francisco", afirmou. "Ele [Bergoglio] foi chamado e não teve nenhuma dificuldade de ser aclamado. Ele tem 76 anos, mas pode em pouco tempo fazer muito. O testemunho dele vai ser muito importante para o mundo, vai chamar a atenção do mundo. Vamos rezar para que ele seja feliz e, sendo feliz, faça a Igreja feliz", disse.
Para dom Geraldo, a escolha não foi surpreendente. "Não foi uma grande surpresa no sentido de que ele não pudesse ser o possível candidato", disse. "É um grande dom de Deus para a Igreja, para o mundo, um homem que tem um testemunho de vida. Ele vive o nome Francisco, é diferente dos outros", afirmou. "Agradeço a Deus por um grande final."
Já Dom Raymundo, que abriu a coletiva, disse que houve surpresa. "Não preciso dizer para vocês que foi uma surpresa para todos nós", afirmou. Os cardeais também contaram que, ainda na noite de quarta (13), após anúncio do pontífice, o Papa Francisco falou que precisaria ir nesta quinta-feira à Casa Internacional do Clero em Roma, onde estava hospedado antes do conclave, para pagar a conta e pegar suas coisas. Dom Raymundo foi informado de que o Papa foi mesmo à Casa nesta quinta, e insistiu para pagar sua hospedagem.
Depois da apresentação pública do novo Papa aos fiéis, os cardeais e o pontífice fizeram uma confraternização na Casa Santa Marta. "Foi muito fraterna, com um cardápio semelhante ao dos dias do conclave. Mas não poderia deixar de ter uma champanhe para comemorar", disse dom Raymundo.
"Depois da solenidade de apresentação, para voltar para a Casa Santa Marta, como protocolo ofereceram o carro oficial do Papa. Mas ele recusou e quis voltar como foi: no ônibus junto com os outros cardeais", disse dom Odilo.
Os cardeais foram questionados sobre a rivalidade entre Brasil e Argentina, muito presente em diversos temas. "A disputa é mais no campo do futebol, entre o Maradona e o Pelé. No campo religioso não há isso, se trata da mesma Igreja", disse dom Raymundo. "Como os argentinos são chamados no Brasil? De hermanos. Somos povos irmãos, nos sentimos assim", completou dom Odilo.
Os cardeais também foram questionados sobre o papel da nova evangelização no novo pontificado e como o Papa Francisco deve direcioná-la. "Ela já foi uma das ênfases no pontificado de João Paulo II e Bento XVI. E na América Latina é fundamental. Esse objetivo de ir ao encontro dos mais afastados, distantes, esquecidos. A Igreja é chamada a ir ao encontro das pessoas, ficando em estado permanente de missão", disse dom Raymundo.
Dom Odilo afirmou que dentro do conclave, em nenhum momento foi possível ver possíveis divisões dos cardeais ou identificar partidos. "Não existe direita e esquerda, não percebi. Foi um clima muito bonito, de grande responsabilidade e serenidade."
"Era um ambiente muito especial, com um grupo bastante reduzido em relação ao número de católicos do mundo, mas 115 cardeais de todo o mundo. Transcorreu num clima de muita abertura, liberdade, fraternidade. É uma instância na qual a gente não sente pressão. Se sente totalmente livre, e isso é muito importante. E o ambiente é um dos mais belos em termos de arte no mundo, a Capela Sistina", disse dom Raymundo. E completou: "O nome do novo Papa é uma mensagem de abertura ao mundo, de diálogo com o mundo, simplicidade, pobreza, solidariedade com os mais simples."
O novo Papa tem 76 anos, o que surpreendeu algumas pessoas – muitos imaginavam que o escolhido seria mais jovem, para ter um pontificado mais longo que o de Bento XVI. Segundo Dom Geraldo, a idade não influenciou a escolha. "Havia vários [cardeais] com 60 anos, mas isso não pesou. Não foi uma surpresa a idade. O Espírito Santo sopra onde quer. Esse é um sinal para o mundo, sobretudo aos que mais sofrem."
Ele também afirmou que os recentes escândalos de abusos sexuais no clero e de fraudes no Banco do Vaticano não tiveram peso dentro do conclave. "Em absoluto, não pesaram, ninguém teve preocupação com isso. Estamos preocupados com a Justiça, o Papa tem que defender a Justiça, os mais sofridos."
Os cardeais foram questionados algumas vezes durante a coletiva sobre uma possível influência do conclave passado. À época, foi dito que o então cardeal Bergoglio renunciou aos votos recebidos no conclave em favor de Ratzinger, que foi eleito o Papa Bento XVI. Foi questionado se essa atitude o teria beneficiado agora. Os cardeais disseram não saber da veracidade dessa informação.
"Ninguém sabe se isso é verdade. Só dom Geraldo, que estava lá, mas ele não pode falar", disse dom Odilo, sendo recebido por risadas dos presentes. Dom Geraldo era o único dos cardeais que deu entrevista que participou do conclave de 2005
POR: CNBB / G1.COM.BR
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