2013-03-31 L’Osservatore Romano
A que vamos propor, na solenidade central do ano litúrgico, pode parecer uma extravagância e, de certa forma, é isso mesmo. Contudo, indo além das aparências, reencontramos mais uma vez aquelas raízes cristãs que a sociedade actual parece esconder cada vez mais sob a indiferença. Para as nossas Páscoas estão disponíveis apenas paisagens de Primavera ou, no máximo, um ovo do qual sai um bonito bebé. Em tempos tão «correctos» e «leigos» o ovo é, paradoxalmente, o último simbolismo com iridescências pascais que nos podemos permitir, embora se saiba que a génese deste símbolo se baseia nos mitos cosmogónicos mais remotos não só egípcios, mas também indianos: a casca seria o ar, a clara representa a água e a gema a terra. Existe uma aplicação cristã deste sinal que, aliás, parece estilizado inclusive nas «amêndoas» ovais que circundam Cristo e os santos na iconografia tradicional.
Santo Agostinho no seu Sermão 105 declarava: «A esperança, na minha opinião, é comparável com o ovo: com efeito, ela ainda não alcançou o objectivo e, do mesmo modo, o ovo já é algo mas ainda não é o pintainho». Talvez seja desta forma que, progressivamente, o ovo se vai transformando em sinal pascal quer para Cristo quer par o cristão: o sepulcro é comparável com o invólucro que faz sair o ressuscitado vivo. Portanto, na Idade Média penduravam-se os ovos de avestruz em numerosas igrejas europeias durante a Semana Santa e preparavam-se os relicários com dois ovos para simbolizar o nascimento e a ressurreição de Cristo. Um crucifixo macabro da catedral de Burgos na Espanha representa um Cristo revestido com pele humana, aos pés do qual são colocados quatro ovos.
Por conseguinte, tinha-se chegado a um simbolismo pascal com declinações diversas: por exemplo, a bênção dos ovos, dos quartos e da cama no período da Páscoa era no passado uma espécie de catequese visual sobre a ressurreição, mas o era também sobre a vida propagada com o matrimónio. Os antigos pintores de ícones usavam a clara no lugar do azeite nas suas obras para poder assim evocar a vida do Ressuscitado.
Portanto, as iridescências metafóricas que se desenvolvem à volta do ovo são multíplices, embora seja dominante certamente a da vida-ressurreição. E talvez este seja o último sinal pascal que pode entrar na praça da existência social nestes tempos tão imémores das suas raízes históricas, culturais e religiosas. Mas quantos sabem, ao quebrar o ovo pascal de chocolate, ir além da surpresa e intuir em filigrana uma evocação daquele sepulcro com a pedra afastada, sinal da ressurreição de Cristo?
Gianfranco Ravasi
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