Aleteia
"A oração surge da incapacidade; de outra forma, não haveria necessidade dela" (Santa Teresa de Lisieux)
Na primeira vez que eu orei com toda a minha sinceridade, eu nem sabia se acreditava em Deus. Eu não tinha nenhuma imagem de Deus, nenhuma teologia que fosse além da catequese da infância. Eu era advogada. Achava que a religião era para as pessoas simplórias, estúpidas, que não tinham coragem de olhar para o mundo com clareza, do jeito que eu achava que olhava. Eu estava imersa num alcoolismo agudo. No meio do bosque de Nashville, no meio da crise da minha vida inteira, eu vivi um momento de verdade quando percebi, com toda a clareza, que, se não parasse de beber, eu estava condenada a morrer muito logo.
Eu percebi, sem conseguir articular esse pensamento, que nenhum poder humano podia me salvar. E naquele mesmo instante, instintivamente, do jeito que uma criança que se vê em perigo agarra a mão do pai sem nem pensar, eu me voltei para Deus. Eu rezei a Oração do Senhor.
O fato de eu ter rezado –não o fato de a oração ter sido "respondida", mas o fato de eu ter rezado– é a prova mais certa que eu tenho de que Deus existe. Aquela oração veio de algum lugar muito além, ou muito acima da lógica, do meu ego, da identidade externa que eu tinha formado para me apresentar ao mundo (e para me proteger do mundo).
Eu rezei a oração que eu me lembrava dos tempos da catequese. Eu era ateia e orei. Orei e depois entrei em casa e preparei outra gim-tônica.
Mas, alguns meses depois, fui mandada para Minnesota. Daquele dia até hoje eu nunca mais bebi.
"Se me pedirdes qualquer coisa em meu nome, eu vo-la farei" (João 14,14 ). "Em meu nome": este é o segredo. Jesus não quer dizer que você precisa pronunciar as palavras "Jesus Cristo", embora o nome de Cristo tenha um poder inimaginável, explosivo. Ainda assim, você não precisa dizer as “palavras mágicas”: você só tem que estar totalmente convencido da sua própria falta de poder e estar aberto para se ajudar.
O protagonista do romance inacabado de David Foster Wallace, “The Pale King”, observa: "Eu percebi, de alguma forma, que o que quer que fosse uma ‘alma perdida’, eu era uma. E isso não era legal nem divertido". Você tem de enxergar, das profundezas da sua alma, que o modo como você está vivendo não é legal nem é divertido. É quando o poder de Deus se mostra. É quando Cristo vem até nós, saibamos ou não quem é Cristo; reconheçamos Cristo ou não.
Cristo veio até mim muito antes que eu o reconhecesse como Cristo. Quando eu finalmente o reconheci, a questão passou a ser: por que eu não iria querer participar desse dom louco, lindo e transcendente da Eucaristia, da Igreja?
Mas, dentro ou fora da Igreja, se agirmos como Ele nos pede, estaremos no Reino. Se não, estaremos fora, não importa quantas vezes dissermos “Senhor, Senhor” (Mateus 7,21).
Quando eu digo "agirmos como Ele nos pede", falo de rigorosa honestidade, de oração incessante, de exame diário de consciência, de vontade de corrigir os erros, de implacável desarraigamento dos rancores, de um constante voltar-se para Deus, pedindo ajuda e dizendo "Faça-se a tua vontade, não a minha".
Mas quando eu digo “no Reino”, eu quero dizer “vivos”. Capazes de nos alegrar porque outra ovelha perdida foi encontrada. Quando eu comecei a ficar e continuar sóbria, pensei: "Eu tenho que crescer. Eu tenho que mudar". Eu estava mesmo disposta, mas sofria de uma espécie de legalismo. O que eu não conseguia entender é que o motivo de fazermos as coisas é esse mesmo: é para ficarmos vivos.
Isso vale para tudo o que fazemos como seguidores de Cristo e membros da Igreja. "Não penseis que eu vim revogar a Lei e os Profetas. Eu não vim abolir, mas completar" (Mateus 5,17). Seguimos regras não para ser "bons". Seguimos regras para ficar vivos.
Outro dia, ouvi um jovem dizendo: "Eu não bebi nos últimos trinta dias e ontem eu sorri. Fazia dez anos que eu não sorria de verdade". Eu não desejo o alcoolismo nem para o meu pior inimigo, mas desejo para cada pessoa na Terra essa experiência de ver a luz voltar aos olhos de outro ser humano. O coração se enche de amor, toda a nossa vida, toda a nossa dor, toda a nossa solidão valeu a pena só para ter estado vivos e ver a alegria daquele garoto.
Isso é o Reino. Você não se importa se morrer sem dinheiro, sozinho e debaixo da ponte. Você sabe: "Eu vivi. Eu conheci o amor".
De certa forma, eu ainda estou de joelhos naquele bosque de Nashville. "Livrai-me do mal. Ajudai-me a aprender a amar. Ajudai-me, porque eu não posso me ajudar".
Essa foi a oração que me salvou naquele dia. Vinte e seis anos depois, essa continua sendo a oração que me salva todos os dias.
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